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Teorias

A Maria Papoila é a típica portuguesa, que tal como todos os bons portugueses tem sempre uma teoria acerca de tudo e de todos e não vê mal algum em impingir as suas opiniões aos mais desprevenidos...

segunda-feira, março 26, 2007

Meninos à volta da fogueira

Esta noite a Papoila teve um sonho. Um sonho mau, a que normalmente chamamos pesadelo.
Era tudo a preto e branco, o que me surpreendeu, já que costumo sonhar a cores.
O ambiente parecia tirado de um livro de Dickens: muita humidade, nevoeiro e sujidade. As crianças andavam pelas ruas com um aspecto enfezado, descalças e com roupas esfarrapadas e insuficientes para o frio que se fazia sentir. Algumas levavam debaixo do braço, dois ou três livros muito velhos amarrados com um cinto. Outras guardavam galinhas que escarafunchavam atarefadamente o chão em busca de alimento.
Vi meninos que carregavam lenha e outros que pediam esmola. Vi também dois ou três meninos que deviam ser de famílias abastadas, porque não vinham descalços, usavam socas de madeira e tinham um casaco de fazenda.
Os carros particulares eram poucos e os transportes públicos caíam de podres. A maioria das estradas era em terra e não havia saneamento. Na maior parte das casas não havia casa de banho nem água canalizada.
Os homens calçavam “botas encebadas” já muito velhas e as mulheres usavam lenços amarrados aos queixos.
Tenho a certeza de que quase todos passavam fome. Na maioria das vezes, a única comida era pão e uma sardinha salgada para três.
Tal como por todo o lado, os ricos eram cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Os pobres trabalhavam literalmente de sol a sol e eram pagos com uns míseros tostões.
Ninguém se atrevia a mostrar descontentamento, porque a polícia os podia ir buscar e torturar até à morte.
É então que acordo, sentada no sofá e com a televisão ainda ligada, alguém diz que “foram votos de protesto”.
Não concordo. Infelizmente as forças do bem não se mobilizam da mesma forma que as forças do mal.
Algo vai mal no reino de Portugal quando pessoas da minha idade e ainda mais novas, dizem que Mário Soares não passa de um traficante de diamantes e que o Salazar foi o melhor governante que já tivemos. Sim, é verdade que ouvi isto da boca de muitos jovens. Dou-lhes o beneficio da dúvida, a culpa deve ser do sistema de ensino que não explica a História do País como deve ser. A culpa é também dos pais, que em casa não ensinam aos meninos à volta da fogueira como se ganha uma bandeira e o que custou a liberdade.

quinta-feira, março 22, 2007

Con-viver

A Maria Papoila faz parte de uma família de mulheres. Ou seja, sempre que há festa familiar, as mulheres estão em maioria.
A família da Papoila adora conversar, rir e brincar. O facto de sermos mais mulheres que homens não quer dizer que a alegria não os contagie também.
Por tudo isto, a Papoila, desde miúda, sempre conversou com toda a gente, conhecida ou não, com prazer e à vontade.
Por todo o lado, vi sempre miúdas da minha idade que não tinham a mesma atitude.
Atribuí sempre à timidez ou à imaturidade, os comportamentos menos sociais das meninas da minha idade.
A Papoila de hoje, já nos seus “late twenty”, aprecia uma boa conversa, porque acredita na troca de experiências e no convívio salutar.
Por isso, não sou capaz de entender que mulheres de 30 anos, mais coisa menos coisa, continuem a comportar-se como meninas inseguras e não tenham capacidade de encetar uma conversa, interessante ou não, quando se encontram em qualquer evento social, seja num jantar em casa de amigos, ou numa festa da empresa.
Assim, peço desculpa se vou parecer mazinha, mas não serão estas mulheres apenas e só antipáticas? Se não são, é o que deixam transparecer. Aos trinta anos não nos podemos dar ao luxo de não saber conviver. Se não é antipatia, não será melhor procurarem ajuda profissional para ultrapassarem os seus problemas e deixarem os comportamentos anti-sociais? É que comportamento anti-social não se resume a actos de vandalismo…

segunda-feira, março 19, 2007

Contagiante

A Maria Papoila gosta da noite. Gosta das noites quentes numa esplanada, de uma conversa à média luz num sítio quentinho no Inverno e gosta de dançar.
A noite, ou os lugares da noite, têm mudado muito nos últimos anos.
A Ribeira do Porto perdeu a vida e as noites de Verão junto ao Cubo já não são as mesmas.
Na maioria das discotecas, demasiado cheias ao fim-de-semana, a música mudou e parece quase sempre a mesma, com o mesmo ritmo durante toda a noite. Em muitos desses lugares onde se dança, é cada vez mais comum ver o chão pejado de garrafas de água, sinal de que a energia é obtida através das famosas pastilhas.
A Papoila gostava das noites em que a dança era alimentada a cerveja e a brincadeiras entre os amigos. Hoje, a noite é triste.
Mas nem tudo estará perdido. Depois de percorrer alguns dos bares e discotecas da moda, com filas intermináveis à porta, em que não entrei, rumo a um lugar diferente.
Contagiante, Contagiarte.
O Contagiarte, ali perto da Praça da República, é um lugar estranho na noite do Porto.
Pessoas de todas as idades, de todas as raças e credos.
Não me interessa se por lá se fumam charros à frente de toda a gente, até porque nem toda a gente os fuma e ninguém me obriga a fumá-los.
Apenas me interessa saber que naquela casa antiga há mesas no jardim onde se vende artesanato, há uma sala tipo discoteca e outra onde acontecem eventos diferentes.
No sábado, no Contagiarte, era a noite do Folk. Nessa noite, dançou-se folclore irlandês, mas também português. Os jovens e os menos jovens dançavam aos pares ou em grupo e o ambiente era realmente saudável. As portas das salas estão sempre abertas para o jardim e as pessoas conversam nas varandas.
A Papoila, uma mulher de estilo clássico, como muitas vezes foi definida por outros, gostou e pretende voltar, muitas vezes. Contagiou-me!!

quarta-feira, março 07, 2007

Mulheres

Tinha vinte e poucos anos e uma filha bebé nos braços quando o marido resolveu ir tentar a sorte para o Brasil. Dizia-se que se faziam grandes fortunas por lá. Nunca mais voltou, nem deu noticias. Era difícil ser uma mulher abandonada numa aldeia portuguesa do início do século XX. Não sei muito bem o que se passou a seguir. Sei apenas que casou de novo e que deu ao mundo mais seis filhos. Magra, muito magra, viveu quase até aos 90. Com 85, partiu o fémur e foi operada. Coração de uma miúda de 18 anos, disse o cirurgião. Ainda voltou a andar e a cozinhar! Chamava-se Helena, como a de Tróia e era a minha avózinha.

Ainda não tinha 30 anos quando um vizinho embriagado lhe matou o marido à porta de casa, a tiro de caçadeira, em frente aos cinco filhos menores. A vida desmoronou-se. Valeu-lhe o apoio financeiro do irmão. Pouco tempo depois, o filho mais novo era arrastado estrada abaixo pelo cavalo que montava. Os bombeiros apanharam os bocados do corpo espalhados ao longo de mais de um quilómetro. Com ela aprendi que ninguém morre de desgosto. Viveu mais de 80 anos, chamava-se Rita e tinha os olhos mais azuis do universo.

Teve 6 filhos que criou sozinha. O marido, médico, era um autêntico João Semana e quase nunca estava em casa. Comida não faltava, mas faltava companhia. No entanto, era feliz. Sempre muito calma, delicada e bem tratada, era o exemplo de uma verdadeira senhora. Com mais de 50 anos e já depois de ter celebrado as bodas de prata, foi abandonada de vez pelo marido. Manteve a calma e a postura. Viveu mais de 70 anos e partiu rodeada pelos filhos e pelo ex-marido. Chamava-se Olga e nunca a ouvi gritar, nem sequer alterar a voz.

Tem mais de 70 anos, quatro filhos e quatro netos. Depois de alguns anos de casamento, o marido quis ir para Lisboa, onde tinha uma boa proposta de trabalho. Já com 2 filhos pequenos nos braços, ela não o pode acompanhar. As saudades acabaram por ditar o regresso do marido a casa. Algum tempo depois, nascia uma nova criança, que acabou por partir muito cedo, com apenas 3 meses, vítima de meningite. Teve ainda mais dois filhos. Com mais de 60 anos, viu partir o neto mais velho, vítima de leucemia.
Recebe sempre a família com grandes abraços e manda-nos calar quando levantamos um pouco a voz, na tentativa de fazer valer um ponto de vista. Á volta dela, só quer paz e concórdia. As suas pernas, que sempre admirei, por serem as mais belas que até hoje vi, estão minadas pelas artroses e a mobilidade já não é o que era. Continua a ser exímia cozinheira e ainda hoje se fala na sopa de cebola da Natália. Espero que esta minha avó fique por cá pelo menos mais 20 anos.

Todas estas mulheres fizeram, ou fazem, parte da vida da Papoila. Aquilo que aqui escrevi sobre elas é muito pouco comparado com a vida cheia que tiveram. É certo que a narrativa se centra no sofrimento, mas a verdade é que estas mulheres sofreram, como quase todas as mulheres sofrem, mas resistiram estoicamente e sempre cheias de amor.
São mulheres simples que aqui vos deixo, mulheres que nunca souberam o que era o “Dia da Mulher”, mas que são exemplo para mim e para todas as mulheres.
Quando for grande quero ser como elas!